Algures na ilha...
- Hooo Voam mesmo?
- «Yes, it’s the real truth!» Esta foi a confirmação confirmada do senhor Zimbabueano – cujo nome não me acuerdo -, que sentado naquela grande mesa redonda – onde a comida é servida pelas mãos da Benvinda, que se move pelas areias trazidas por ventos moçambicanos, e que vão ficando entre a cozinha improvisada e a sala de refeições há vários anos - do romantizado lodge me garantiu, jurou mesmo, que gente com muito poder espiritual consegue voar, transportar-se sobre fronteiras nacionais para poder morrer em paz no local idealizado – o Lightning Power.
Entrei no pequeno, ou melhor, minúsculo avião de regresso a casa. Para trás fica a ilha das águas claras, onde as pessoas não pedem esmolas e as sextas-feiras são sagradas para quem quer comprar uma noite de sexo barato – nota: barato ao bolso de qualquer albino – na Xabinde. Podem mesmo comprar a crédito, se os meticais não abundarem no bolso, mas com a garantia de que se não pagarem no final de mês as jovens de cheiro a mar e peixe fresco, transformadas em musas à sexta-feira, vão cobrar nem que seja ao patrão do cliente (na sua maioria homens locais, que trabalham na pesca ou no oligopólio turístico).
A vontade insaciada de vinho de palma, levou-me à Xabinde mais do que uma vez, proporcionando momentos inesquecíveis a qualquer menina do shopping, que toma banho todos os dias com gel de banho vindo de outro continente e se perfuma com um qualquer líquido imortalizado pelas massas. Na palhota, as pessoas cheiram ao que cheiram, vestem o que alguém já pôs fora e comem o que o mar traz até à sua porta. Ouvem e dançam ao sabor das línguas conhecidas e esboçam sorrisos com cheiro a pão quente, cozido na fogueira que aquece a noite que começa às 17h30. Pessoas que gostam de se ver nos pequenos retratos que o visor da máquina fotográfica mostra e perpetua. Não sei dizer se são menos felizes do que eu, que deliro por uma lojinha nova, para gastar meticais. Esta doença do consumo, para a qual não há vacina e atirou famílias do vulgar piquenique no campo para o passeio de domingo à tarde no Shopping da cidade.
Na ilha a manhã começa cedo. Não. A manhã começa de madrugada, quando eu ainda durmo. Correm todos. Não. Andam todos com um passo mais rápido que o normal, para ultimar os preparativos da abertura das cabanas para ricos.
O pequeno-almoço é continental, mas só para alguns. A moto 4 está pronta para me levar a sentir as vibrações do pedaço de terra que faz o deleite de muitos.
Eu agarro-me de quando em vez àquelas costas que, pouco ou nada percebem do meu dialecto, para não cair estúpida de entusiasmo na areia. As praias estão desertas – os albinos ainda não chegaram – ficam apenas os gritos das aves, o sopro dos ventos e as vibrações do meu regozijo.
O avião não parte na hora prevista, ou não fosse ele um moçambicano filho da colonização portuguesa, fico-me pela cadeira da sala de espera a pensar...
Algures na ilha |